Quando adolescente, passei por problemas difíceis, não por causa da idade, mas por circunstâncias da vida. Eu tinha 2 amigas da minha idade a quem eu era apegada e de quem gostava muito, mas havia certas coisas que não lhes conseguia contar. A maior razão era o facto de eu não perceber certas coisas, então assumi que se eu não entendia, possivelmente elas também não iam entender. Então, durante uns meses guardei para mim algo que me estava a matar por dentro, algo que eu queria mais do que tudo perceber, saber se era normal, mas que não tinha com quem abordar o assunto.
Havia alguém mais velha na escola que eu gostava, achava simpática e com quem pensei partilhar o meu problema - uma stora minha. Inicialmente, hesitei várias vezes, mas um dia ganhei coragem e escrevi-lhe uma carta. Na manhã seguinte, esperei por ela no portão e entreguei-lha. Ela estava surpresa, mas pegou na carta e disse-me que a ia ler. Eu estava muito nervosa e assim que lhe entreguei a carta arrependi-me de imediato, mas já não havia nada que eu pudesse fazer.
Pouco antes do intervalo seguinte, eu estava com as minhas amigas perto do ginásio, quando a stora passou por nós e perguntou se podia conversar comigo. O meu estômago nesse momento deu um nó, senti-me tão enjoada que pensei que ia vomitar. Eu acompanhei-a até perto da central, e você disse-me que já tinha lido a carta e queria falar sobre isso. Senti um pânico enorme, pois se por um lado me apeteceu fugir, por outro senti um pouco de alívio porque esperava finalmente desvendar o mistério.
Bem, como me pediu, esperei num dos bancos em frente à fonte enquanto você foi pousar o livro de ponto. Eu podia ver que a stora também estava um pouco sem saber como agir, um pouco atrapalhada. Começou por me fazer algumas perguntas, algumas talvez parecessem óbvias e outras que eu ansiava tanto por saber as respostas finalmente! Quando o segredo foi finalmente desvendado, confesso que em vez de alívio senti arrependimento. Não sabia o que fazer ou dizer, naquela momento apenas desejava não lhe ter dado a carta.
Agora sim, o pânico tomou conta de mim. Mas, quando me disse que teria de partilhar aquilo com a minha diretora de turma devido à gravidade, aí desejei morrer! Pedi-lhe e implorei-lhe que não o fizesse, roguei-lhe para esquecer que lhe tinha entregue a carta, para fazer de conta que aquilo nunca tinha acontecido. Mas pacientemente, explicou-me que não podia fazer isso e que era o melhor para mim. Apesar de não concordar e/ou entender como aquilo seria o melhor, não tive outra escolha senão aceitar. Fiquei chateada, com raiva, arrependida... mas por causa da maneira como lidou comigo, tentei gerir os meus sentimentos da melhor maneira que sabia.
Desse dia em diante, apesar de toda aquela salada russa de sentimentos, também surgiu uma grande amizade, admiração e, talvez até um pouco de adoração da minha parte. Foi o primeiro dia de muitas conversas, e mal eu sabia no quão essencial você passaria a ser na minha vida! Eu gostava de esperar por si no portão para lhe dar os bons dias, às vezes ia assistir às suas aulas, ... A stora é para mim alguém que sempre estará comigo e que guardarei no meu coração com muito carinho e gratidão!
Mais para a frente, quando foi necessário fazer uma reunião com outras pessoas para expôr o assunto e tentar encontrar uma solução, a stora esteve sempre do meu lado, literalmente, punha a mão no meu joelho como que me dando suporte e apoio. Nesse dia até me levou a casa. Se por um lado estava bastante preocupada, por outro senti-me vaidosa e sortuda por estar consigo.
Lembro-me de vários momentos passados na escola, conversas que tivemos e de como eu gostava de estar consigo. Perto de si sentia-me segura, compreendida, sabia que lhe podia perguntar o que quer que fosse, pois iria ser honesta comigo. Estava certa que podia confiar em si, pois se lhe tinha contado o pior e a stora deu-me a mão, explicou-me as coisas pacientemente e nunca desistiu de mim, não havia nada que eu lhe pudesse contar que a fosse afugentar. Essa era a idea que eu tinha.
Mas fiquei muito triste quando o fim do ano estava perto, só de pensar passar as férias longe de si e a perspectiva de que talvez fosse isso o fim da nossa amizade, da história, pois não havia qualquer certeza de que estaria de volta no ano seguinte! Chorei por semanas - bastante antes e depois do fim do ano - perguntava-me como é que eu ia conseguir ter um motivo para viver, a quem é que eu iria recorrer e se eu seria capaz de continuar a nova jornada que se tinha tornado a minha vida...
Tiramos fotos, que ainda hoje, passados mais de 20 anos guardo com todo o carinho e às quais recorro nos momentos nostálgicos. A stora escreveu-me uma dedicatória que, na altura memorizei, mas que de momento só me lembro que dizia "Lute sempre pelo que lhe parecer melhor." A stora deu-me a sua morada e permitiu-me escrever-lhe. Devo-lhe ter enviado dezenas de cartas ao longo dos anos... (peço desculpa por isso!) até que mudou de casa e as suas cartas vieram devolvidas. Aí perdi-lhe o contacto. Mas tenho as suas cartas guardadinhas como sendo uma preciosidade para mim. A sua última carta foi escrita pouco depois que foi mãe pela primeira vez. ;)
A minha forma de lidar com a sua "perda/ausência", para além de lhe escrever cartas era, todas as noites ir à janela do meu quarto e mesmo em frente eu tinha a ursa maior no céu e você era uma das 7 estrelas a quem eu dizia boa noite. (Provavelmente é uma coisa estúpida, mas a mim foi o que me deu forças para continuar, saber que assim como as estrelas, apesar de nem sempre se verem, você estava sempre lá!)
Um belo dia, quando tinha ido à praia com a minha família, para minha surpresa, voltamo-nos a encontrar por acaso num supermercado! Fiquei tão contente, e conheci-a de imediato mesmo quando estava longe, mas não sabia se me ia conhecer... mas para minha alegria conheceu-me e veio ter comigo! Se você não viesse, eu estava preparada e decidida a fazê-lo - como me tinha advertido na sua última carta! Não sabe como tudo aquilo teve um impacto grande em mim! Andei feliz por semanas, era como se tivesse ganho a lotaria. Aí trocámos números de telemóvel e não voltamos a perder o contacto!
Com este texto enorme apenas lhe quero dizer muito obrigada por tudo o que fez por mim, por ter estado lá quando mais precisei, por me ter permitido confidenciar em si, por ter sido a minha heroína e melhor amiga por anos, por ter acreditado em mim e mais importante, por ser a pessoa incrível que é, pois apesar de aquele ano ter terminado, você continuou a permitir-me "chegar" a si, continuou a ser o meu porto de abrigo à distância! E isso, pode ter a certeza que foi muitas vezes, o que me deu forças para não desistir, porque a última coisa que eu queria era desapontá-la! Obrigada pelo apoio incondicional, por ter feito muito para além do que seria esperado como professora, por ter lutado comigo e por mim quando foi necessário. Estou-lhe muito grata de coração e sempre estarei!
Olhando para trás, agora com mais maturidade vejo que lhe escrevi cartas demais, que provavelmente fui muito chata e carente de atenção, ... por tudo isso e muito mais peço imensa desculpa!
Gostava que soubesse que se eu morresse hoje ia feliz, porque apesar de tantas coisas difíceis que a vida me obrigou a enfrentar, também me deu pessoas fantásticas como você para me ajudar a superar. Todas as pessoas passam por dificuldades, mas nem todas têm a sorte de ter alguém como você na vida delas... Eu tenho! Sou sortuda o suficiente por isso e muito agradecida! Para mim, você foi quem me ajudou a começar o meu longo e doloroso processo de "cura"!
Muito, muito obrigada de coração. Gosto muito de si, você será sempre alguém importante para mim e fará sempre parte da minha vida!